Dois novos medicamentos para Aids, cada um funcionando de uma nova forma, provaram ser seguros e altamente bem-sucedidos em grandes estudos, um desenvolvimento que os médicos daqui disseram, na última terça-feira (27/2), que expandirá significativamente as opções de tratamento para os pacientes.
Os dois medicamentos, que poderão ser aprovados para venda ainda neste ano, adicionariam duas novas classes de drogas às quatro já disponíveis para combate ao HIV, o vírus da Aids. Isto seria particularmente importante para dezenas de milhares de pacientes nos Estados Unidos, cujo tratamento está falhando porque o vírus se tornou resistente aos medicamentos atualmente em uso.
"Este é realmente um desenvolvimento notável no campo", disse o dr. John W. Mellors, da Universidade de Pittsburgh, em uma coletiva de imprensa, na 14ª Conferência Anual sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas.
O dr. Mellors, que não esteve envolvido nos estudos, mas é consultor dos fabricantes dos medicamentos, disse que "não estaria em apuros" ao dizer que os novos resultados são tão empolgantes quanto aqueles de meados dos anos 90, quando os pesquisadores descobriram que os coquetéis de drogas podiam prolongar significativamente a vida.
Uma droga, a maraviroc, foi desenvolvida pela Pfizer, que já requisitou a aprovação para vendê-la. A Food and Drug Administration (FDA) - a agência de controle de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos - já marcou para 24 de abril uma reunião do comitê consultor para discutir o pedido.
O outro medicamento, o raltegravir, foi desenvolvido pela Merck, que disse que fará o pedido de aprovação no segundo trimestre.
Os especialistas disseram que os novos medicamentos seriam usados combinados aos medicamentos mais antigos. Ambos derivam de pesquisas científicas feitas há uma década ou mais, que apontaram o processo molecular complexo usado pelo HIV para infectar as células do sistema imunológico humano e se replicar.
Apesar de haver atualmente mais de 20 medicamentos aprovados para tratamento do HIV e Aids, há apenas quatro mecanismos diferentes usados pelos medicamentos. Em muitos pacientes, o vírus desenvolve resistência a uma ou mais drogas, geralmente porque os pacientes não tomam seus medicamentos nos horários prescritos.
E se o vírus desenvolve resistência a um medicamento em uma classe, ele freqüentemente se torna resistente aos outros daquela classe e, às vezes, das outras classes. Assim, especialistas em Aids disseram que há uma necessidade urgente de medicamentos que empreguem novos mecanismos.
Os dois novos remédios representariam as primeiras novas classes desde 2003, quando um medicamento injetável chamado Fuzeon foi aprovado. Eles seriam as primeiras novas classes de medicamentos orais para HIV em uma década.
O medicamento da Merck funciona inibindo a ação da integrase - uma enzima produzida pelo vírus que incorpora o seu material genético no DNA da célula imunológica do paciente. Assim que é incorporado, o DNA viral manda a célula produzir mais cópias do vírus.
Em dois estudos da Merck envolvendo um total de 700 pacientes, os níveis do vírus caíram abaixo de 50 cópias por mililitro de sangue, uma quantidade considerada indetectável, em cerca de 60% dos pacientes que receberam o raltegravir. Isto em comparação a cerca de 35% daqueles que receberam placebo.
Os pacientes nos dois testes de Fase 3, geralmente o último estágio de teste antes da aprovação, eram resistentes a pelo menos uma droga em cada uma de três classes de medicamentos anti-retrovirais. Todos os pacientes também receberam uma combinação dos medicamentos mais velhos que seus médicos consideravam como os mais apropriados. Os resultados informados aqui foram após 16 semanas, em um estudo que está em andamento, de forma que é possível que efeitos colaterais a longo prazo ainda possam surgir.
Outros inibidores da integrase, como um da Gilead Sciences, também estão sendo desenvolvidos. O medicamento da Gilead está entre 18 meses e 2 anos atrás do da Merck.
O medicamento da Pfizer funciona bloqueando uma proteína nas células do sistema imunológico humano que é usada pelo HIV como portal para entrar e infectar a célula. Ele seria o primeiro medicamento a visar o corpo humano em vez do vírus.
O portal, conhecido como CCR5, foi descoberto em 1996 por vários grupos de cientistas e há uma corrida para desenvolver drogas para bloqueá-lo.
Em dois estudos de Fase 3 patrocinados pela Pfizer, envolvendo 1.049 pacientes, mais de 40% dos que receberam o maraviroc exibiram níveis indetectáveis de vírus após 24 semanas de um estudo de 48 semanas. Isto representou o dobro da taxa daqueles que recebiam placebo. Como nos testes da Merck, os pacientes eram resistentes a três classes de drogas e estavam recebendo uma combinação otimizada de medicamentos mais antigos.
Alguns especialistas disseram estar um tanto cautelosos em relação ao maraviroc, em parte por ele bloquear uma proteína humana em vez de uma viral, com efeitos a longo prazo possivelmente desconhecidos. Um inibidor de CCR5 que estava sendo desenvolvido pela GlaxoSmithKline foi descartado por causar toxicidade ao fígado, e um segundo, que estava sendo desenvolvido pela Schering-Plough, pareceu elevar o risco de cânceres no sangue.
Mas no estudo da Pfizer não houve aumento da incidência de cânceres. Em um estudo houve uma taxa de mortalidade maior entre aqueles que receberam o medicamento, mas a Pfizer disse que as mortes não estiveram associadas à droga.
Especialistas também estão encorajados com o fato de cerca de 1% de caucasianos possuir uma mutação em particular em ambas as cópias de seu gene CCR5, que desativa suas funções. Estas pessoas são resistentes à infecção do HIV e aparentemente vivem vidas normais.
Mas outra questão é que alguns vírus usam uma entrada diferente chamada CXCR4. Antes de receberem o maraviroc, os pacientes terão que fazer um teste para determinar que portal seu vírus usa, o que tornaria o medicamento um primeiro exemplo de "medicina personalizada" de acordo com o paciente.
O teste, que provavelmente levaria duas semanas para obtenção do resultado, foi desenvolvido pela Monogram Biosciences, de South San Francisco, Califórnia. Ele deverá custar US$ 1 mil ou mais.
Cerca de 85% dos pacientes recém-infectados possuem um vírus que usa o CCR5, enquanto apenas metade dos vírus altamente resistentes a drogas usam aquela porta. Há alguma preocupação de que o bloqueio do CCR5 possa encorajar o surgimento de vírus que usem o portal alternativo - e tais vírus parecem estar associados a resultados mais graves.
Mas isto até o momento não provou ser um grande problema, segundo Edward A. Berger, do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, que teve um papel chave na descoberta dos dois portais.
Especialistas da indústria, do governo e acadêmicos disseram não haver estimativa confiável do número de pessoas que precisariam de um dos novos medicamentos. Mas o número está caindo à medida que mais medicamentos melhores contra Aids se tornam disponíveis.
"Os números não são os mesmos de seis anos atrás", disse Norbert Bischofberger, vice-presidente executivo de pesquisa e desenvolvimento da Gilead, que produz alguns medicamentos amplamente usados contra Aids.
Tanto a Merck quanto a Pfizer disseram que estão realizando estudos com seus medicamentos para uso como tratamento inicial. Elas não disseram quanto seus medicamentos custarão.
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